Lembrei-me de uma história narrada por um morador da floresta, um Pagé da tribo dos Tucunacá. Contou-me que nos rios, lagos e cachoeiras existem segredos conhecidos apenas por moradores conectados com a natureza. São histórias contadas por encantados pertencentes a civilizações que existiram em um passado bem distante, perdido no tempo das lembranças. Essas entidades acreditavam viver materialmente nas águas e florestas, e, embora possuíssem corpos com matéria de pouca densidade, eram vistas por pessoas sensíveis. Na nascente do caudaloso Rio Solimões, nomeado por nativos em homenagem ao Rei Salomão que visitara aquela longínqua região existiu uma nação indígena que, como tantas outras existentes às margens dos rios, tinham e ainda têm a pesca como meio de sobrevivência. Ali, eles mantinham antigas tradições, e, entre tantas, uma era lembrada e festejada com muita alegria. Eles acreditavam que fazendo oferendas à rainha das águas, receberiam fartura para a tribo.
Na época da piracema, nas noites de lua cheia, a nação promovia uma grande festa com danças, cânticos e farta alimentação, especialmente de peixes. Como tradição, faziam uma oferenda à rainha das águas que se constituía em ofertar uma moça índia para os encantos das águas. Assim, ela se tornaria sereia, e juntar-se-ia a tantas outras nas profundezas das águas. Ato, esse aceito com muita honra por aquela privilegiada entre as moças mais belas da tribo. O critério para a escolha constituía-se em; aceitar o sacrifício, ser virgem, e a mais formosa entre todas. No festejo a moça vestia-se com as melhores roupas e enfeitava-se com penachos dos pássaros mais belos da floresta. E, entre danças e cânticos adentrava o rio ou lago, quando seria recebida por sereias que a conduziriam a presença da sereia mãe, a rainha das águas, nas profundezas dos rios e lagos onde vivia em seu castelo de muitas belezas. Assim, eles acreditavam que com essa oferenda, as sereias mandariam para a tribo grande quantidade de peixes. Para alegria da tribo, a moça que se tornara sereia, no próximo festejo viria receber outra moça que seria mais uma sereia a mandar peixes para as zagaias dos índios pescadores. Então, as sereias existem nas florestas e águas dos rios e oceanos.
Assim acreditava o povo daquela nação nos idos tempos da imaginação. Mas, alguém há de perguntar como podemos aceitar uma tradição dessa natureza! Colocar uma mulher em plena flor da idade no fundo de um lago para satisfazer a compreensão de um povo que acreditava numa crueldade daquelas? Porque a natureza é assim, nessa lendária história, a moça foi tragada pela água e, nela naturalmente sucumbiu. Não é a água que mata a moça, mas a crença do povo, pois sabemos que a água é a própria vida. Em alguns momentos a natureza é generosa, constrói, dá a vida, noutro momento ela é mãe voraz, destruidora com cataclismos, extinção em massa; nela há vida e morte em profusão. A natureza produz tudo e a tudo devora. Milhões de espermas e óvulos são produzidos e destruídos, flores e sementes são produzidas e dizimadas. É a dinâmica da vida comandada pela natureza. Uma terrível luta também se dá no reino vegetal; as plantas lutam para garantir um lugar ao sol, para ganhar espaço fazem guerras químicas entre elas produzindo venenos e bactérias, se opondo a outras plantas e raízes, num ciclo constante. Isso é uma reação à agressão do homem a natureza. Essa polarização encontra-se no homem, que tem inteligência, racionalidade, amor, mas ao mesmo tempo mostra demência.
E, por falar em crenças, tive notícias de remanescentes de uma nação indígena que viveu no alto Rio Negro. Eles acreditavam que antigamente existia o dia, a noite também existia, embora, presa dentro de um caroço de tucumã. Coube a uma belíssima índia dotada de grande poder e magia, investigar e quebrar o caroço libertando a noite, mostrando a capacidade de investigação e criação que tem a mulher. Dessa forma indicando que a mulher é a dona do mundo, é ela que investiga, descobre, desvenda e cria, o homem é apenas um coadjuvante.