A Montanha I
Talvez a expectativa de chegar à montanha do Frade tornasse a estrada alongada, eu ainda guardava na lembrança algumas coisas misteriosas que na montanha encontrei, ainda no tempo de menino quando ela eu escalava acompanhado por meu cachorro Burlante conduzindo as ovelhas para o platô. Abri os vidros do carro para sentir o cheiro característico do sertão, depois pedi para Emanuel dirigir para eu admirar a paisagem sertaneja. Observando a terra gretada, avistei uma casinha de taipa, e em poucos minutos cresceu no meu olhar e ao cruzá-la enxerguei animaizinhos pastando e, pessoas olhando nossa passagem. Baixinho disse para mim mesmo: lugar simples, onde vivem pessoas felizes! Aonde a felicidade vive, sofrimento não faz morada.
Lembra-se desse lugar? Perguntou Emanuel. Sim, é Santa Quitéria, enfeitada de Bouganwiles. Nesse lugar fui tropeiro e boiadeiro, usando chapéu de couro, gibão e peixeira no cinto, sorrindo respondi. Aqui almoçaremos, pois tem uma coisa que você gosta: Mel, pão de batata e queijo. Para o almoço sentamo-nos à mesa e espontaneamente as pessoas falavam e sorriam forte, logo percebi estar no acolhedor sertão cearense.
Voltamos à estrada viajando a baixa velocidade admirando o cenário que conheci quando menino. Num trecho da estrada reconheci que um dia nesse lugar fui iluminado por uma misteriosa estrela que até hoje e sempre vem norteando a minha vida. Na estrada, mesmo olhando amiúde não enxerguei as plantas rasteiras características do sertão que na seca brotam alimentadas pelos nutrientes da lua. No entanto encontrei: Marmeleiro, Emburana, Juazeiro, Aroeira, Umbu, Catingueira e outros, alguns ainda com folhas verdes.
Ao meio dia escutei distante, o cantar de um bem-te-vi, perdido no imenso sertão seco e montanhoso. À beira da estrada cigarras protegidas por galhos ressequidos cantavam anunciando uma tarde quente. Calangos atravessavam a estrada marcando presença na melancólica paisagem. Cheguei a uma tapera, outrora fazenda dos caetanos, só encontrando destruição; ossadas de gado, casa destruída, um pequeno cemitério com cruzes derrubadas e sepulturas violadas por roedores.
Pensando na coragem e também no infortúnio do sertanejo, segui viagem chegando ao Frade, próximo da montanha, lugar onde vivi. Estava diante da uma centenária casa de tijolo aparente erguida há cem anos entre montanhas rochosas, onde a natureza me fez nascer, nessa caminhada de encarnação de causalidade e grandes venturas. Tio! Você quer mesmo ficar nesse lugar?Indagou Emanuel. Sim garoto, pois tenho pendências a resolver. Suas coisas estão arrumadas nessa sala maior, o pote está cheio d’água. Eu preciso voltar a capital. Amanhã cedo tenho muito trabalho, e se você não der notícias em 72 horas, Voltarei, disse Emanuel. Despedimos-nos, ele preocupado com a minha segurança e eu feliz por tudo está dando certo conforme planejei.
Nos primeiros momentos ao visitar as dependências da velha casa vi o passado erguer-se diante de mim, num ambiente envelhecido pelo tempo, mas bem conservado. Um fato significativo se revelou quando encontrei um fogão à lenha usado por minha mãe ao fazer o primeiro café da manhã, deixando sobre o fogão um bule para quem chegasse beber café quentinho, enquanto meu pai cuidava do gado no curral. Com os olhos pejados voltei ao alpendre, e permaneci mirando a montanha que havia escalado quando menino acompanhado por meu cachorro burlante. Eu sabia que aquela montanha tinha importante significado para mim. Naquele instante sentia grande emoção por tudo que ali vivi em companhia da mais amorosa mulher da minha vida, minha adorada mãe. Agora, olhando fixo para a montanha não saia da minha memória a lembrança das vezes que com ela conduzindo as ovelhas, subi a montanha e na volta, no riacho ouvindo o murmúrio da água na correnteza ela sorrindo me cobria de carícias, afagos e beijos.
À tarde surgiu mansamente, no alto o sol brilhava qual labaredas de fogo. Lembrei-me quando a família se reunia às tardes de domingo para assistir a beleza do Sol poente. Tinha presente no sacrário das minhas indeléveis lembranças uma imagem viva do passado. O Sol beijando a montanha e eu olhando a estrada enxerguei uma pessoa caminhando e se aproximando. Imaginei ser uma inesperada visita, e como tal aconteceu. Boa tarde, disse o homem. Boa tarde, a que devo a honra dessa inesperada visita? Meu nome é Calixto, Cedo da manhã irei para o platô na montanha, o senhor pode me conceder uma pousada até amanhã? Sim, a casa é grande, sinta-se a vontade. Nos sertões é assim, receber um hóspede é sempre uma grande honra. Docemente Calixto sorria mostrando ser homem manso e simples; Calixto vestia calça de brim azul com furos e remendos, camisa xadrez e alpercatas envelhecidas. Parecia ser um homem de sessenta anos, mas quando perguntei sua idade ele sorrindo respondeu ser mais velho que a Terra.
Calixto passava uma boa energia e eu sentia-me feliz ao conversarmos. Logo nos entendemos e passamos a conversar amiúde, parecia que já nos conhecíamos há muito tempo. Calixto parecia ter em volta de si uma aura de luz, tão grande era sua simpatia quando eu lhe perguntava alguma coisa. Não fazia parte dos meus planos receber visitas por necessitar de silêncio a fim de desenvolver meu trabalho de concentração mental, mas a visita de Calixto era uma dádiva de Deus, assim eu sentia. Ao sentarmos à mesa para o jantar, em silêncio por alguns minutos Calixto agradeceu ao Criador pelo alimento. Mesmo sem esse sagrado habito, compartilhei. Eu havia levado pão, mel e vinho natural, Calixto avoantes salgadas. Parecia adivinhar meu gosto. Tivemos um saboroso jantar com muito sossego. Misteriosamente as coisas aconteciam iguais às contas de um rosário; uma conta, após outra numa ordem crescente e natural. Após o jantar, ao luar nos sentamos no terreiro da velha casa falando assuntos relativos às belezas da Natureza.
No alto contemplava um céu atapetado de astros e estrelas. Um sereno de lua cheia em profusão se espargia sobre a terra, a luz da formosa lua prateava as folinhas de pequenos arbustos em volta do terreiro e à brisa suave da noite acarinhava meu rosto. Eu sentia a expansão da minha memória, e após um profundo silêncio perguntei: Calixto preciso entender a Natureza, saber se vivemos sozinhos nesse infindável Universo? Mansamente Calixto respondeu-me dizendo: Todos nós estamos conectados ao Criador, e dessa forma ligados ao Universo, e assim, a todas as vidas que Nele existem. Tudo que pensamos, falamos ou fazemos está gravado na luz Universal. É assim que somos um Só. Para entender a infindável Natureza é preciso merecer do Criador essa graça que nós mesmos alcançamos pela nossa evolução que é única e pessoal. Olhemos para o alto procurando enxergar a lua, os astros e estrelas. Se olharmos com os olhos do espírito podemos enxergar tudo em torno do Sol e muito além. Fora da matéria temos infinitos atributos que ainda desconhecemos em virtude da nossa pouca evolução espiritual e o envolvimento com a densa matéria corporal. O pensamento me fez viajar pelo Universo conduzido por luzes de infinita grandeza na velocidade do pensamento, temporariamente desligado da minha matéria, sentindo incomensurável felicidade pude compreender alguma coisa da Natureza Divina.
Tive uma compreensão do minúsculo lugar que ocupo no Universo, porém conectado ao Criador, tive a certeza que não vivemos sós no Cosmos. Não vi o tempo passar, era manhã. Calixto sorria dizendo: São minúsculas partículas das belezas e encantos da Natureza, que não podemos; pesar, medir ou contar.
Subiremos a montanha? convidei. Sim, subiremos a montanha quando você quiser, indo ao encontro do desconhecido. Amanheceu o dia numa canção de melodias douradas a luz do Sol nascente.
Sim! Amanhã subiremos a montanha.