Antonio de Albuquerque
Sorrindo de alegria, num espaço sublime entre contos, encantos e poesias.
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Tribunal dos Pássaros

 
 
Antonio de Albuquerque
Janeiro de 2018


A notícia da liderança do encantado índio Cauré e seu cachorro Trovão, entre os habitantes da floresta se expandiu de tal forma que causou uma revolução entre seus moradores naturais. Podendo Cauré falar com animais, insetos e árvores, enfim, com todas as principais lideranças da floresta, entenderam que também ele seria capaz de compreendê-las tornando-se forte ligação entre eles e o homem, que embora civilizado, agia destruindo a fauna e a flora. Um dia, ao conversar com passarinhos, Cauré recebeu um convite para assistir a uma reunião num tribunal de pássaros, onde seriam tratados assuntos relativos às leis da natureza, infligida por pássaros. Para Cauré, seria um acontecimento singular, e com alegria aceitou. Os pássaros queriam que Cauré conhecesse como a sociedade deles, observava a Lei da floresta. Cauré se dirigiu ao encontro acompanhado por Trovão. Havia interesse em participar daquele tribunal, afinal queria conhecer cada vez mais a vida na floresta. A reunião aconteceria ao amanhecer e estariam presentes todos os representantes dos pássaros da região. Ali seriam abordados assuntos de vital importância para a vida em sociedade: Tratava-se do desrespeito à vida de um pássaro; questões de namoros, acasalamentos, desdém e desperdício de alimentos.

Desdém é considerado ato discriminatório entre os pássaros. Abordar numa reunião esse assunto parecia irrelevante, no entanto é sempre importante fazer pequenos ajustes, mesmo em pequenas coisas para que todos possam viver felizes. Seriam incluídos na pauta outros assuntos da floresta, e também destacar a importante presença de Cauré e trovão, convidados por Tucano de bico preto, dirigente da reunião. Cauré queria conhecer novos pássaros e estreitar laços de amizade com tantos outros. Na pauta constavam questões relativas ao comportamento de alguns pássaros: Gavião carrapateiro predador que havia perseguido um Biguá e uma Garça moura, ato indigno, pois um pássaro não persegue outro, a não ser em situações especiais. De qualquer modo, segundo a Lei da floresta, um passarinho jamais deve perseguir outro pássaro. Então, moral e eticamente não está certo praticas dessa natureza e quem desrespeitar, colherá o plantio perante a Lei.

Na floresta, todos são iguais perante a natureza. Existem ricas fontes de alimento que devem ser usadas por todos, sem agressões, destruições ou desperdícios. Os pássaros só devem utilizar o necessário, nada pode ser desperdiçado. Chegando ao tribunal Cauré encontrou alguns convidados nos galhos disputando os melhores lugares, espaço onde teriam melhor visão para o acompanhamento dos trabalhos. Com algazarra algumas araras flertavam com machos de sua espécie que haviam vindo para a reunião e, também em busca de namoro e acasalamento. Todas as pendências deveriam ser abordadas e solucionadas nessa instância. Aquele era um tribunal único não podendo haver apelação para tribunais superiores, como acontece entre tribunais dos homens.

Cedo da manhã chegaram: Japu de bico amarelo e plumagem verde. Tempera viola de plumagem cinza-oliva, Cardeal-da-Amazônia com linda vestimenta vermelha, Canário-do-campo com terno amarelo, saí-de-pernas-amarelas com plumagem azul, Pinguari, Sabiá-barraqueiro, Bem-te-vi, Beija-flor, Galo-da-serra Galo-de-campina, Araras, Periquitos, Papagaios e outras espécies que ficaram à distância, observando. Foram esses, então, os primeiros a chegar. Antes, porém, deram umas bicadas em frutos da floresta, pois não permaneceriam por mais de uma hora sem colocar alguma coisa no papo, o que era perfeitamente permitido desde que não houvesse excessos. A área estava sendo monitorada por ágeis águias, responsáveis pela disciplina e a ordem durante a reunião. Participaram outros pássaros; Pica-pau-de-barriga-vermelha, Coruja-da-noite, Urubu, Carcará, Araçari-minhoca, Arara-azul, Jaçanãs, Cigano-Preta Águias, Caracará, Gavião-preto, Gavião-real, Falcões, Urubu-rei, Urubu-cabeça vermelha, Arapapá-primo, Garça Moura e uma infinidade de gaviões que vinham em defesa do colega acusado de predador. Sem esquecer a presença da amiga preguiça que se encontrava no local e, naturalmente sem pressa deixava a área. ─ Como vocês passarinhos são vexados, dizia ela. A preguiça foi saindo devagarzinho, certamente antes do término da reunião ela sairia do local e percorrido apenas uns dez metros. Os passarinhos formavam um belíssimo cenário todos cantando ao mesmo tempo promovendo algazarra sem fim, pouco ou quase nada se podiam escutar. Mas ao ouvirem um cantar diferente, belo, harmonioso e inigualável, o silêncio povoou todo aquele imenso espaço.

Calaram-se, naquele momento mágico. O vento soprando brandamente nas folhas verdes das árvores, o grilo, a cigarra, os besouros e até o sapo, sob os pequenos arbustos obedeceram aquele som harmonioso vindo do seio da mata em divinas notas musicais. Era o cantar do Uirapuru que se propagou por toda a floresta. O rei acabara de chegar, dizendo com seu cantar enternecedor que a reunião estava aberta. Ali existia hierarquia e tudo seria feito dentro da ordem e da simplicidade. Nas matas o comportamento dos passarinhos é sério, especialmente tratando-se da observância das Leis. Na floresta existe uma riqueza incalculável de alimentos e água suficiente para todos, desde que sejam usados racionalmente, e seus habitantes devem procurar preservar as riquezas naturais para nunca faltar, especialmente a água que é a fonte da vida. Só existe vida na terra porque a água está presente, portanto, todos precisam ter essa consciência clara. O homem necessita adquirir essa responsabilidade reconhecendo o mal que pratica ao destruir a fauna e a flora.

Cauré refletia sobre o homem não ter um pensamento semelhante aos pássaros e animais sobre a natureza. Cauré tinha esperança que um dia o homem viesse cultivar a ideia de preservação do meio ambiente. O conselho de Justiça era formado por pássaros de idade mais avançada, condição indispensável para fazer parte da câmara de Justiça.

 

Conselho de Justiça:

Presidente > Tucano de bico preto
Acusação > Japu-verde
Defesa > Águia-dourada
Vítimas > Biguá e a Garça Moura
Réu > Gavião Carrapateiro (predador)
Réu > Pica-pau-barriga-amarela
Réu > Gavião da montanha

O presidente explanou sobre a reunião, destacando a presença de Cauré e Trovão como observadores especiais e os chamou para compor a mesa, isto é, O galho. A raposa e o carcará que se encontravam distante comentaram entre si, dizendo: Já colocaram os dois na mesa julgadora, Lógico, isto não dará certo! Trovão ao escutar o comentário malicioso dos dois, disse:  Depois da reunião lhes darei uma resposta por estarem fazendo pré-julgamento da reunião.  Não faça isso, não vá desperdiçar suas energias com o que não serve. Um dia eles poderão se transformar em boas criaturas. Assim espero, respondeu Trovão. Inicialmente foi perguntado ao acusado, se ele se sentia culpado, ele respondeu ser absolutamente inocente, e que aquela acusação não tinha fundamento, não passava de perseguição de pássaros invejosos, por ser ele o passarinho mais bonito e sábio de toda a floresta.  mas você atacou esses pássaros com qual finalidade? De matá-los? Perguntou Tucano de bico preto.  Não, não fiz pensando em matá-los, estava exibindo minhas excepcionais qualidades. Nada mais. Inclusive tenho profundo respeito e amor por todos os habitantes da floresta, jamais praticaria uma maldade contra um pássaro ou outro bicho qualquer, tanto que não existem provas contra mim, apenas mera acusação sem conteúdo.

O jeito de falar, a arrogância e as provas que existiam contra ele, era suficiente, embora ele tivesse direito a defesa. O acusado falou mais algumas coisas em defesa própria, orientado pelo seu defensor que procurava, a todo custo, inocentá-lo, omitindo evidências e provas materiais. A acusação pediu a palavra: O passarinho Japu-verde falou do constrangimento que sentia tendo que lembrar a outro passarinho, no caso o Gavião Carrapateiro a importância de observar as regras e as leis que existem na floresta. Ressaltou que o Gavião por ser um dos pássaros mais antigos da floresta, jamais poderia ter desobedecido a uma Lei, perseguindo outro pássaro, um inocente Biguá e uma indefesa Garça-moura, com o intuito de destruí-los.

─ Trata-se, realmente, de uma atitude abominável que não pode ser tolerada entre pássaros. Agindo dessa forma você está praticando atos que alguns seres humanos cometem e não estão corretos. Muitos destroem seus semelhantes, desrespeitam as Leis, os costumes e as tradições; devemos, sim, respeitar as Leis, cuidar dos mais frágeis e indefesos. Existe testemunhas que o viram tentar matar o Biguá, são provas irrefutáveis, sua defesa não pode escondê-las, são provas de um delito grave, portanto considero você culpado, e peço sua condenação por esse gesto indigno de um passarinho que deveria ser amigo dos bons costumes. Japu-verde continuou falando: Considerando que existe na floresta uma imensa riqueza em alimentos, que pertence a todos, não há necessidade de práticas agressivas. Fatos dessa natureza depõem contra os pássaros. A ética deve permear a existência dos passarinhos e de todos os habitantes da terra. Precisamos dar um exemplo moral e ético aos humanos, pois grande parte deles não tem um comportamento exemplar, especialmente com relação à natureza. Cada um deve respeitar o espaço do outro, pois a floresta pertence a todos que nela quiserem habitar e viver em paz.

─ Considero o Gavião Carrapateiro, culpado pela agressão a um indefeso Biguá e a uma pobre Garça-Moura que, sem condições de defesa, foram submetidos a uma situação constrangedora e humilhante perante outros passarinhos que os salvaram de maior constrangimento. Mesmo assim foram bicados diversas vezes, sendo subtraído deles penas de suas belíssimas plumagens, concluiu o Japu-verde. Houve um sussurro de entre os presentes, mas foram contidos pelo presidente da reunião que solenemente exigiu silêncio. Restabelecida a ordem no ambiente, voltou a reinar a paz.

O sol brilhava e os raios penetravam por entre os galhos de árvores ornamentados pela linda plumagem de centenas de pássaros presentes àquela sessão. Alguns passarinhos mais famintos se ausentavam por alguns momentos em busca de encher o papo e, voltavam em seguida atentos a tudo que se passava na reunião. Algumas águias sobrevoavam a área, observando a disciplina entre os passarinhos. Toda atenção deveria ser dispensada à fala dos dirigentes, afinal de contas, estava sendo julgado o procedimento dum pássaro, objeto de pesada acusação. A tentativa de tirar a vida de um pássaro é uma falta grave, não pode ser tolerada, o responsável deve ser julgado pelo ato indigno.

Com a palavra, Águia dourada, que em defesa do Gavião Carrapateiro, argumentou que o ocorrido não passou de uma brincadeira, pois se seu cliente quisesse dar cabo da vítima teria feito com muita facilidade, em virtude de ter qualidades especiais, para tanto é veloz, inteligente e valente. Afirmava não ter ele transgredido nenhuma lei. Meu cliente é inocente dizia o defensor. O defensor continuou dizendo que seu cliente apenas se divertia um pouco, pois na floresta não existia muita opção de lazer.Então voe mais alto e faça uma brincadeira dessas com uma águia para ver o que lhe acontece. Conforme as palavras da acusação o Biguá e a Garça moura eram pássaros indefesos e em nenhuma hipótese deveriam ser alvo de brincadeiras desagradáveis, devemos viver em harmonia, respeitando, pois só seremos respeitados se respeitarmos nossos semelhantes. Se quisermos brincar, existe muito espaço para voarmos em bando ou sozinhos. Temos testemunhas que afirmam sua má intenção, portanto assuma a culpa e peça desculpas publicamente como atenuante para atenuar a pena, completou Japu-verde. Diante das evidências e provas, após testemunhas ouvidas, a acusação pediu a condenação do réu e o presidente proferiu a sentença.
Como pena alternativa o presidente determinou que o condenado fornecesse alimento para as vítimas durante vinte luas e procurasse ter um comportamento exemplar, não repetisse essa falha para não receber uma correção mais severa. Antes de concluir a reunião, o presidente chamou a atenção do Pica-pau-barriga-amarela, por desdenhar de passarinhos menores e menos bonitos. Perante a floresta todos seus habitantes são iguais perante a Lei. Cada qual tem sua beleza. São enfeites da natureza e determinou que o Pica-pau furasse numa árvore um buraco e construísse um ninho muito bonito para o menor passarinho que ali estivesse presente, o que deveria ser feito antes da chegada das chuvas. Um casal de Beija-flor ganhou o ninho como presente que deixou o Pica-pau-barriga-amarela, muito furioso, porém diante da autoridade, prometeu obedecer à sentença. O presidente da reunião disse para Cauré: Que sirva de exemplo, inclusive para a civilização dos homens, onde muitas vezes as sentenças dos juízes são desrespeitadas, causando mal exemplo. Um dia faça chegar ao conhecimento dos homens esse procedimento. E, se entre os homens existir uma melhor forma de aplicar a lei, nós precisamos conhecê-la. Deixemos, pois, que nossa vida seja permeada pela ética e moral.
Com relação ao acasalamento, foi aconselhado aos pássaros que podiam namorar aonde bem quisessem, mas no momento que a fêmea escolhesse seu parceiro, o macho deveria se afastar evitando desentendimentos. Determinou que todos evitassem o desperdício a fim de não faltar na floresta água e alimentos para todos. Tucano-de-bico-preto deu a reunião por concluída e em silêncio, ouviram o belíssimo cântico do Uirapuru e a passarinhada se despediu na maior algazarra, voando em busca dos ninhos e de alimento. Voavam milhares de pássaros num esplendoroso colorido. Nesse exato momento, a amiga preguiça, que havia prometido desocupar o local no início da reunião, olhando para trás disse: ─ Calma pessoal, para que tanta pressa! Estou saindo.

Enquanto os passarinhos voavam para os ninhos, Cauré refletia sobre o que havia presenciado, imaginando como é perfeita a natureza, onde os pássaros têm noção do errado e do certo e como vivem em harmonia, respeitando as leis da natureza. Atitudes simples que o homem em sua maioria ainda não conseguiu colocar em prática. Cauré refletia que se os homens se comportassem como os pássaros, certamente teriam uma melhor qualidade de vida, e viveriam num mundo mais justo, onde não haveria exclusão social, guerra e fome. Todos os habitantes do planeta teriam acesso pelo menos às necessidades mais elementares.


 
Antonio de Albuquerque
Enviado por Antonio de Albuquerque em 30/03/2018
Alterado em 22/03/2019
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