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Sonho Guerreiro
Em 5 Capítulos
CAPÍTULO I
O Sol intenso brilhava dourando o sertão, a cigarra cantando sinalizava que não choveria, e o vento sussurrava entre folhas secas margeando a estrada. José Linhares caminhava com o espírito embrulhado em dores, mas na memória concebia um sonho. Os meninos, José e Gerardo com semblante de criança, traziam a impressão indizível de felicidade. A brisa morna da tarde mimava seus corpos macérrimos. Linhares carregava o semblante fechado, tinha o corpo magro inclinado para a frente, suas alpercatas de rabicho, tocando o chão, faziam poeira. À margem da estrada calangos buliam nos gravetos, andorinhas e papagaios tingiam de verde o céu anil, borboletas brancas e azuis se mostravam sinalizando vida, e muito distante ouviam-se o sonoro cantar da Acauã, desenhando formosa tela da Natureza, naquele rincão do sertão ressequido pelo inexorável tempo.
Era 1940, as promessas vazias dos políticos se repetiam afirmando: Não chovendo o Governo mandará dinheiro para a prefeitura e executaremos obras onde todos se ocuparão e nada faltará aos trabalhadores do campo. Assim afirmava quem no campo retinha os trabalhadores, escravizando-os com mão de obra desumana. Os trabalhadores do campo eram doutrinados a se manterem no sertão, apesar de oprimidos e analfabetos, com uma vida extremamente pobre. Embora a Princesa Izabel houvesse libertado os escravos em 1888, em 1941 o homem ainda vivia em um regime de servidão, suportando hipocrisia por parte dos dirigentes da República e dos senhores da terra, isto é, os latifundiários. Os recursos financeiros destinados às obras durante a seca, certamente seriam desviados para os corruptos, antes mesmo de chegar aos trabalhadores. Essa história se repetia desde a época do império, na luta entre dominadores e dominados.
Dominar carentes homens e mulheres, analfabetos tornara-se mais fácil, assim pensavam e agiam os latifundiários. Não convinha aos latifundiários que o trabalhador deixasse o sertão, assim eles continuariam tendo uma mão-de-obra escrava, podendo manter alto padrão de vida, colocando os filhos para estudar em colégios na capital, no sul do país ou até no estrangeiro. Para os senhores do campo, ávidos de lucro fácil, não importava que os filhos dos trabalhadores aprendessem a ler, porque assim, poderia despertar neles algum sentimento de liberdade. Ignorantes, seriam úteis e tocando a vida, esperavam que a chuva os libertasse da indigência.
Entretanto, ao chegar a chuva, não tinham dinheiro para comprar nem as sementes para o plantio e recorriam ao patrão, que cobrava um preço exorbitante por elas. A terra onde Linhares trabalhava pertencia ao coronel Bento, homem durão, não dispensava 50% do pouco que seus trabalhadores produziam, e assim, a cada ano o episódio se repetia. O que José Linhares ganhava não dava para o sustento da família, e quando lhe cabia um bezerro ou ovelha, fruto da participação na criação, entregava para o patrão para cobrir a dívida acumulada.
Analfabeto, o trabalhador do campo desconhecia as leis trabalhistas que eram parcas, e essa questão animava alguns patrões desonestos, embora também existissem patrões sérios. D. Maria Augusta, companheira de Linhares tinha sérios problemas no coração e necessitava de cuidados especiais do marido que zelava para que não lhe faltassem os remédios receitados pelo dr. Bezerra, médico de homens e animais que durante a semana cuidava de pessoas e nos feriados e dia santo, nas fazendas também cuidava dos animais, ensinando os criadores a vacinar os rebanhos. Bezerra era um profissional virtuoso, embora para alguns fazendeiros não servisse, sendo taxado de perverso inimigo, embora exercesse sua profissão com dignidade, defendendo o direito dos menos afortunados.
A festa de São Francisco, padroeiro da cidade acontecia de 24 de setembro a 4 de outubro, efetivando assim, a socialização entre os moradores de diversas localidades. Linhares e a família se faziam presentes nos festejos da cidade, e ali se encontravam com velhos conhecidos, romeiros vindos de lugares distantes, até da Amazônia. Entre os presentes aos festejos, estava José Fabiano, conversador, fanfarrão e galhofeiro, contava que o Amazonas era um eldorado, todos que chegavam aos seringais se tornavam homens ricos, donos de armazéns de aviamento, fazendas de gado e dinheiro no banco, moravam em mansões frequentando luxuosos cabarés e cassinos, coisas naturais da época rica da borracha. Ele mesmo gabava-se de ser poderoso, contando vantagens convidando os conterrâneos para trabalhar nos seringais do Amazonas, afirmando que pagaria as despesas, que lhe seriam ressarcidas com o lucro obtido nos seringais.
Continua no próximo. Capítulo II- Não perca.