Era manhã, ainda escuro, chovia manso, e eu caminhava protegido pelas marquises dos casarões históricos de Manaus, cidade marcada por antigas construções do século dezenove. Tinha pressa querendo chegar ao Rodway, com acesso ao porto. Ouvia a voz forte dos barqueiros oferecendo bilhetes de viagem para diversos lugares da Amazônia. Diante da agitação eu ainda não decidira para onde viajaria, mas, por certo queria me afastar do reboliço da cidade. Embarquei às seis horas; vi centenas de redes atadas no convés da embarcação, formando um bonito cenário dos navegantes da Amazônia. Agasalhei meus pertences sob minha rede, escolhendo boa posição para apreciar a paisagem às margens do Rio de águas escuras, mas com rosto assustado, pela aventura que agora iniciava. Contemplei as praias de areia alva, onde as Jaçanãs desfilavam com seu corpo esguio; a floresta; o movimento das águas; a revoada dos passarinhos sobre o Rio Negro e as milenares tradições ribeirinhas. Assim penetrei na magia encantadora das águas do caudaloso Rio Negro.
Ao meu lado viajava uma belíssima jovem índia, que chamou minha atenção; ela me olhou com um sorriso encantador e percebi que seus olhos tinham o brilho de uma estrela, revelando intensa luz que me fez mergulhar em sua magia, desnudando seu lindo interior. — Bom dia, disse a moça. — Bom dia, que façamos boa viagem à Barcelos, respondi. —Certamente, mas desembarcarei antes de chegar à Barcelos, a fim de participar de uma grandiosa celebração... Até podemos viajar juntos, e ao regressarmos, embarcaremos aqui neste mesmo local. —Acho a ideia interessante, mas preciso ao menos saber seu nome. – Meu nome é Maitê, meus ancestrais pertenciam a uma milenar civilização que existiu nessa região, eram misteriosos e falavam Nheengatu, donde se originou meu nome, conservado por gerações, e concluiu dizendo: — A floresta Amazônica é um mundo diferente de todos os que conhecemos, e quando nela adentro, examino com atenção tudo ao redor, procurando desvendar os seus mistérios, visto que dentro dela sempre sou um aprendiz. Por fim disse-lhe: —Sim, Maitê, iremos juntos participar dessa celebração. Embora não tivesse a menor ideia de como se daria a festa anunciada, para mim tudo era um mistério! O barco nos deixou numa praia do Rio Negro e seguiu viagem com os passageiros acenando para nós. Somente no dia seguinte, estaríamos regressando à Manaus.
Adentramos à floresta e seguimos uma trilha, caminhando entre sororocas, palmeirais, Samaúmas e outros arvoredos, conversando sobre os segredos e mistérios da floresta. Após uma hora caminhando, senti cansaço, e Maitê sem olhar para trás perguntou: — Estás querendo que eu te conduza nos braços? Você não tem resistência, não é um caboclo — não precisa, vou me recompor, respondi. Maitê sempre caminhando à frente com passos leves “parecendo não tocar nas folhas” elegante tal o caminhar de uma jaguatirica, porém com simplicidade mostrando a beleza e o movimento sensual dos seus quadris, que me lembrava o bambolear do voo do gavião rei. Maitê minuciosamente conhecia os rios e a floresta, ao longo do caminho, e não cansava de admirar, os pássaros de penugens coloridos que pousavam no alto da castanheira, os sauins que brincavam, se exibindo, e o gavião-real observando do galho da maçaranduba, que não se incomodavam com a nossa intrusa presença. Mais à frente, a Vitória Régia, enfeitava os igapós, num cenário de grande beleza, e à beira de um Igarapé, caminhávamos entre chacronas nativas e os jatobás, ouvindo o rumorejar das águas que mimavam alguns peixinhos coloridos, enquanto os canários, no alto da Samaúma gorjeavam, num encantamento dos espíritos encantados da floresta.
O entardecer chegou manso e sereno... permanecemos em silêncio para não romper o sossego da mata. Ao anoitecer a lua acalentou meu Ser, numa beleza de emoldurado vigor, conduzindo meus pensamentos a um mundo de paz, sob o clarão da lua prateada e um céu azul coberto de estrelas. Uma radiante manhã surgiu, num ritual de cânticos, com prazerosa alegria, e milhares de pessoas reverenciavam uma rainha. Formou-se, então, um arco-íris e entre suas cores enxerguei Maitê, rainha daquele povo misterioso, desde distantes Eras, no entanto, como num passo de mágica, ela continuava ao meu lado, sorrindo e ao mesmo tempo, revelando-se a misteriosa deusa Maitê, do arco-íris.
Após a brilhante celebração, com os olhos orvalhados, tínhamos o coração cheio de luz e sonhos. Abraçados Maitê e eu sorriamos felizes, contagiando a todos... embarcamos sob aplausos dos passageiros, e regressamos à Manaus, na certeza de que nem tudo é matéria densa como imaginamos e, assim, convictos, de que entre a terra e o céu, existem infinitos mistérios e moradas do Grande Arquiteto do Universo.